“Uma de Morfina em 10, dá-lhe 2cc”, por Rita Alves

“Uma de Morfina em 10, dá-lhe 2cc”, por Rita Alves

Não sei se conhecem aquela sensação quando colocamos os pés em água gelada, lá para os meses de Março, Abril… principalmente se for na Costa da Caparica. Inevitavelmente sai-nos um “doí-me os ossos dos pés” e até mesmo um f*****, se estiver mesmo gelada.

Esta dor, aumentada 10000000 de vezes, gosta de se instalar como um hóspede não convidado e atrevido na minha mão esquerda, na coxa direita, na tíbia direita, nas articulações dos joelhos, às vezes na mão direita e quase sempre no meu coração que se revolta. Estas são as minhas dores em dias de crise, ou em dias de não-crise. Isto dói, caraças.

Aprendi primeiro a depender de analgésicos. Agora nem um ben-u-ron trago na mala. Para quê? Vai doer, e depois vai acalmar. Vou ganhar asas de esperança, e volta a doer.

A seguir, aprendi a dormir muito, muito, muito – enquanto se dorme não se sente, verdade? Mas o problema é que também não se vive.

Da última vez internada, só foi lá com a “dose de cavalo”. Morfina de 2cc, em 2cc, até não haver mais na seringa. E na seringa a seguir a essa, e na outra, e durante os primeiros 6 dias internada assim foi. A morfina, sei agora, não me tira a dor completamente, mas embalou-me nos braços e aconchegou-me.

Vivo com dor e febre intermitentes há 6 anos. Nunca estou só, nunca estou só eu. As duas – ou uma delas – cola-se a mim. Se estou a caminho do trabalho (e tento andar 20 minutos a pé por vezes) a dor está lá; se estou a beber um copo com os amigos “cá fora de pé para se fumar”, a dor está lá, se estou a dar a sopa ao meu filho a dor está lá na mão do principio ao fim, se me ajoelho numa igreja para pedir que me tire disto a dor está lá.

Tenho lúpus, mas o Lupos ainda não me tem a mim.

Rita Alves

“Heat the pins and stab them in,
You have turned me into this
Just wish that it was bullet proof”
“Aquece os pinos e crava-os em mim
Você transformou-me nisto
Só desejo que fosse à prova de bala
“Bulletproof” de Radiohead

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